quarta-feira, 5 de maio de 2010

3 – Conclusão

No seguimento do que foi dito nestas notas, em que se põe em causa muito do que constitui a visão do romancista sobre o séc. XVIII, é claro que não partilhamos a opinião daqueles que vêem no Memorial do Convento um grande romance.

Afinal, para além das discutíveis minúcias propriamente literárias, “formais”, que “conteúdo” nos trouxe a prosa um pouco pegajosa do romance, que é sempre o que em definitivo interessa?

Ilustração 11. Imagem de S. Bento.

A ideologia conhecida do romancista, muita afirmação preconceituosa[1], muita chacota ou sarcasmo gratuitos.

Exagera necessariamente quanto ao descalabro em que imaginou a Lisboa barroca, descontextualiza a Inquisição, mente sobre o P.e Bartolomeu de Gusmão, ignora a magnificência de Mafra, faz voar um passarola sem nenhumas condições aerodinâmicas para tal, promete o memorial dum convento que nunca descreve, enche o romance de blasfémias, é brejeiro e obsceno.
O seu viés iconoclasta produz mais ruído do que resultado crítico convincente. A sua palavra abundante e apaixonada, pouco exigente em relação à verdade, por isso discutível e bastante oca, relativamente fácil, define-o como demagógico.
Sendo assim, e recordando a introdução, é legítimo, talvez inevitável, que um dia a crítica, cumprindo a sua função, em nome da cultura e da verdade, repense o posicionamento de Saramago no quadro global da literatura recente, fazendo com ele o que já fez com Guerra Junqueiro e outros.

Nota: a edição que usámos, a 21ª, apresenta dois erros no latim do título duma obra do P.e Bartolomeu de Gusmão. É na página 145 e o título diz Iuris ecclesiastici universi libri tre, Colectanea doctorum tam veteram quam recentiorum in ius pontificum universum, Reportorium iuris civilis et canonici, et coetera. Onde se escreveu tre deve estar tres, onde se escreveu veteram deve estar veterum. Além disso, Colectanea deve ter dois ll, Collectanea.

Bibliografia

ALMEIDA, Fortunato de (direcção de Damião Peres) - História da Igreja em Portugal, Livraria Civilização Editora, Porto e Lisboa.

AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.) - Dicionário da História Religiosa de Portugal, Círculo de Leitores.
FARIA, Vicomte de - Bartolomeu Lourenço de Gusmão, Lausana, 1917 (opúsculo em francês que se pode descarregar da Wikipédia).
GIL, Júlio - Os Mais Belos Palácios de Portugal, Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 1996.
GIL, Júlio - As Mais Belas Igrejas de Portugal, vol. II, Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 1989.
SARAMAGO, José - Memorial do Convento, 21ª edição, Editorial Caminho, Lisboa, 1992.
SARAMAGO, José - Viagem a Portugal, Editorial Caminho, Lisboa, 1995 (salvo algumas excepções, as fotografias são de Maurício Abreu).
SERRÃO, Joaquim Veríssimo -História de Portugal, Editorial Verbo, Lisboa, 2ª ed., vol. V.
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Enciclopédia Verbo
Wikipédia (portuguesa e inglesa)
Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa


[1] A manipulação dos factos acontece em Saramago muito menos por sacrifício às “Musas de Homero”, como no Frei Luís de Sousa ou n’Os Lusíadas, por exemplo, do que por razões ideológicas. De qualquer modo, o mesmo Saramago apela em várias ocasiões para um bom senso elementar que exige que se chame às coisas pelo seu nome. Ora achamos que os nomes comuns a chamar às razões da manipulação dos acontecimentos no romance são preconceito e mentira. A arte não pode isolar apolineamente o autor do mundo real.

Será mesmo legítimo aproximar este recurso à mentira por preconceito ao cinismo e à perfídia que os autores da área ideológica de Saramago costumam atribuir aos inquisidores. Quem se encontra do lado do poder não resiste às vezes a estas tentações de impunidade, da afirmação gratuita. No caso de Saramago, a meu ver, o poder é o apoio que tem da imprensa. Podia-se lembrar aqui a frase romana ”Vae victis!”, e até alterá-la para “Vae victoribus!”

O bom senso não perdoa e mais tarde ou mais cedo - como a verdade, que não tem pressa de se mostrar, mas que sempre se mostra - virar-se-á contra o autor do romance.

Saramago assume não raro um estatuto curioso, o de um deus romano ou grego menor que, não podendo alterar o curso do futuro, altera o curso dos factos do passado.

O modo de falar sobre Saramago que usamos neste trabalho só pode escandalizar quem não toma a sério o que ele escreve. É aliás conhecida, na vida real, a sua intolerância (por exemplo, os saneamentos que provocou no Diário de Notícias e a sua atitude, em 1975, face aos que não considerava revolucionários; contra estes propunha que se agisse “implacavelmente”), o modo como ele fala das pessoas que se não movem na área da sua ideologia ou até dos seus interesses.

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