quarta-feira, 5 de maio de 2010

2.2 – A Inquisição, a forca e o Marquês de Pombal

Uma reelaboração deste tema encontra-se AQUI.

Às vezes ouve-se falar do Memorial do Convento com um entusiasmo tal que parece que o seu autor denuncia ali o Arquipélago de Gulag que os seus amigos soviéticos criaram; mas de facto denuncia apenas uma instituição mais que defunta, acabada um século antes de ele nascer.

A Inquisição manteve-se activa durante cerca de três séculos e instaurou processos a algumas dezenas de milhares de pessoas. Quantas?

As respostas são variadas e vão de umas vinte e poucos mil até cerca de quarenta e cinco mil.

Mas a pergunta seguinte é: em quantos destes processos foram os respectivos réus entregues ao braço secular, para execução capital?

Também aqui os números variam, de entre uns mil e duzentos até um pouco mais que dois mil.



Ilustração 5 Belíssima estátua de Santa Clara. Aquando da encomenda exigia-se que o mármore fosse o mais perfeito e de facto é.

Poderíamos assentar em que essas mortes terão implicado 500 condenações por século, o que não estará muito longe da verdade.

Este número, ao lado do das mortes provocadas pelas ditaduras da esquerda[1], da nazi ou da fascista e doutras, no século XX, parece insignificante.

Ao tempo da Inquisição, os tribunais civis também condenavam à pena capital, por recurso à forca (sabe-se onde ficavam muitas forcas) ou outros meios. Como esses tribunais eram muitos (mais de 800[2]), caso eles tivessem condenado em média um réu por século, o número total das suas condenações já ultrapassaria de longe o das condenações à morte atribuíveis[3] à Inquisição.

Como não é possível contabilizar hoje os mortos pela forca, também não é possível contabilizar as mortes provocadas pelo Marquês de Pombal. Mas, nos quase 30 anos do seu governo, deve ter feito matar quase tantas pessoas como a Inquisição em três séculos. E pelos vistos fazia-o com uma crueldade maior[4].

Vejam-se estes números transcritos da História Concisa de Portugal de Hermano José Saraiva[5]:

“Quando Pombal abandonou o poder foram libertados oitocentos presos políticos, mas o número dos que entretanto tinham morrido nos cárceres atingia os dois mil e quatrocentos”.

Isto já dá uma média de oitocentas mortes por década.

Sobre a Inquisição, convém também dizer que, visto que ela organizava processos, podemos hoje saber quem foi morto e as razões da sua condenação[6]. Creio que isso não se passa com o Marquês nem com os mortos das ditaduras do séc. XX. Se da Inquisição não houvesse processos, que saberíamos dela? E das suas vítimas?

Do que parece não haver dúvida é que o autor do Memorial do Convento, por preconceito, agrava as culpas da Inquisição tanto quanto isso lhe parece viável. Mas em muitos casos não convence: ele descontextualiza quase completamente a instituição e as suas práticas e por vezes não hesita em colorir o que descreve mesmo contra o dado histórico.

Verdadeiramente as lágrimas que chora sobre os mortos dos autos-de-fé são lágrimas de crocodilo, se não quisermos ser mais decididos e afirmar que ele age de má-fé.

Veja-se adiante o anexo sobre os números da Inquisição.

Ilustração 6 A galilé da basílica é soberba nas suas linhas de inspiração clássica e na policromia dos mármores.



[1] Segundo o livro de Jon Halliday Mao: a História Desconhecida, o fundador da República Popular da China, para obter a bomba atómica, aceitava deixar morrer metade da população do país… 500 milhões de pessoas. O regime cubano, em cerca de 50 anos, matou lá para 17 mil. Etc., etc.

[2] A da Póvoa de Varzim ficava próxima do farol de Regufe, a de Vila do Conde próxima da Igreja da Lapa.

[3]Cfr. http://pt.wikipedia.org/wiki/Categoria:Antigos_munic%C3%ADpios_de_Portugal.

[4] Atribuíveis, pois a ordem de matar era prerrogativa do Rei.

[5] São vulgarmente conhecidos os casos dos Távoras e o do P.e Malagrida, mas houve outros em que essa crueldade ficou bem manifesta. Aos condenados implicados no célebre atentado contra o Rei “esmagaram-lhes à martelada os ossos dos braços e das pernas e depois queimaram-nos vivos” (SARAIVA, Hermano José, História Concisa de Portugal, 2.ª ed., Mem Martins, 1978, pág. 245.

[6] Pág. 245.

[7] Também convém dizer que desde a sua instituição não houve mais nada que nem de longe se assemelhasse à matança popular de judeus, de 1506, durante a qual em três dias foram mortos lá para dois mil, certamente à paulada e à pedrada: http://arlindo-correia.com/020108.html.

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